7.12.11

Entrevista: Adelaide Borges da EML.

Gostas de moda? Então provavelmente já ouviste falar da Escola de Moda de Lisboa. Queres saber mais? A RevoltARTE também. Adelaide Borges, designer de moda e coordenadora do curso  homónimo na EML, aceitou conversar connosco e dar-nos a conhecer um pouco do que é este mundo cheio de glamour.



RevoltARTE: Como é que surgiu o interesse por este mundo, pelo mundo da moda?
Adelaide Borges: Foi por acaso, não foi assim muito pensado. Eu, inclusive, estive muito indecisa quando terminei o 12º ano se não ia para comunicação, curiosamente. Embora eu desenhasse desde muito cedo, e tinha às vezes familiares a dizerem-me que devia ir para belas artes, mas não estava muito focada nisso. Fiz uma primeira entrada no Conservatório Nacional de Teatro, no 1º ano, mas que abandonei logo passado seis meses porque, de facto, não era aquilo que eu queria. E em Portugal também não havia ainda uma grande herança  ou história de moda, não é? Tínhamos uma história de boa confecção, de muita cópia… E surge este curso, surge um curso de moda que foi o CIVEC (Centro de Formação Profissional da Indústria de Vestuário), e eu, não sei bem porquê, interessei-me e disse: vamos lá ver o que isto é. Comecei a apaixonar-me, não sei se porque, de facto, tinha aqui alguma tendência artística, seja qual fosse a área. Mas  a verdade é que, depois de conhecer os meandros técnicos e artísticos da moda, apaixonei-me incondicionalmente por este mundo. Depois tive oportunidade de começar a fazer estágios intercalares durante o meu curso e comecei a ter um contacto muito mais directo com a área, trabalhando na antiga FIL Moda e depois na EXPOHair fazendo parte do grupo de designers dessa feira. Entretanto, ainda no curso formo, com mais nove colegas, o gabinete Vértice, que era um gabinete de design onde,   fazíamos colecções e dávamos apoio à indústria. Portanto, surgiu naturalmente, e foi uma oportunidade que eu resolvi experimentar.

R: Houve algum projecto em que tivesse mais dificuldades, seja a nível criativo ou de concretização?
AB: Onde eu senti sempre mais dificuldade…que agora está mais diluído, curiosamente, foi  no que respeita ao diálogo entre o designer e a indústria tradicional, que nem sempre foi muito fácil porque dava a sensação que nós estávamos em campos opostos. Portanto, ou a indústria era de tal modo envelhecida e pouco aberta ao design, no sentido de que ele podia ser uma mais-valia para um aumento de vendas, ou, por sua vez os designers não compreendiam muitas vezes a necessidade fundamental que é o factor de comercialização dos produtos.

R: Há quantos anos é que trabalha com a EML? Como está a correr a experiência?
AB: Sou professora da escola há 21 anos. Eu estava a trabalhar na área e fui convidada por professores daqui que me conheciam. Comecei a dar alguns módulos e depois fui ficando e pronto, estou aqui. Entretanto, ia fazendo colecções. Às tantas, fiquei de tal maneira embrenhada no ensino que agora é ao contrário: a minha actividade principal é, de facto, o ensino na área do Design de Moda e, pontualmente, faço trabalhos do mesmo tipo em colecções, em fardamento ou então na organização de eventos de moda. Relativamente à coordenação e ensino do curso, é uma experiência gratificante porque eu tenho o prazer de fazer aquilo que gosto. É muito gratificante ver como é que os alunos chegam, e depois a evolução que eles têm do ponto de vista estético, artístico, da sua maturidade cultural, os trabalhos que fazem no exterior… É um bocado o retorno daquilo que eu lhes dou e eles também me dão depois, em termos de crescimento. Está a ser muito bom. Considero-me uma pessoa de sorte.

R: Falou acerca dos alunos e das ideias deles. Em que projectos é que estão envolvidos actualmente?
AB:
Eles normalmente envolvem-se em projectos a partir só do 2º ou do 3º ano, até porque isto não é um curso de desenho: é um curso de design, que envolve imensa capacidade técnica e imensa compreensão da funcionalidade, neste caso, da roupa. E os alunos, a partir do 2º ano, envolvem-se imenso em concursos nacionais e internacionais e de parcerias com empresas. Posso dizer, por exemplo, que hoje [11 de Outubro de 2011] acabei de vir de uma cerimónia do e no Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), porque dois alunos meus, no ano passado, frequentando o 2º ano, ganharam o Concurso Nacional da Beca, que é o traje académico dos Doutorados do ISPA. Tenho alunos a concorrerem, por exemplo, no Ypsilon Creative Chrevolet, que é um concurso internacional em que ganhámos o primeiro e terceiro prémios.  Neste momento, tenho também alunos do 3º ano, os finalistas,  a começar no concurso da EXPO Noivos - que, de há seis anos para cá, temos ganho sempre os primeiros prémios, exceptuando um ano - e que estão  ainda a concurso no programa das Comemorações Inesianas (celebração da transladação do corpo de D. Inês de Castro para Alcobaça), coordenadas pelo Mosteiro de Alcobaça e pelo Museu do Traje. Estamos a desenvolver uma parceria, que é muito boa, com a AutoEuropa, na renovação dos fardamentos, e é nestes casos que para nós é muito gratificante. Portanto, não fazemos projectos a brincar, fazemos projectos no terreno.

R: Falando novamente da EML, em que é que se poderá dizer que é diferente, que inova em relação a outras escolas ou faculdades dentro da mesma área?
AB:
A  EML tem uma tradição no campo da moda já de 22 anos, que foi mais ou menos quando eu entrei. Eu acho que a mais-valia da EML  é ter um corpo docente muito forte e muito - eu acho que é -, muito dinâmico e empreendedor, trabalhando muito com os alunos fora de horas, apresentando-se muito disponível para os desafios do exterior e para os próprios desafios dos alunos. É um corpo docente muito presente e que também, para além do querer transmitir conhecimentos nesta área, privilegia muito o ser como ser humano. Faz parte do nosso projecto educativo o respeito pela essência de cada um, pela diversidade, pela procura de evolução como ser humano, e acho que é isso que nos faz ser diferentes. Os alunos aqui sentem realmente que são respeitados, que são provocados para se tornarem melhores, não só como técnicos, mas como ser humanos. Portanto, nós privilegiamos muito cada aluno que vemos à nossa frente, não os vemos como um rebanho. Cada um é único.

R: De certa forma isso incentiva mais os alunos?
AB:
Pelo menos é essa a  metodologia que nós defendemos, e eu acho que dá bom resultado. Cada um tem o seu espaço, cada um tem o seu ritmo diferente.  São, de facto,  incentivados a evoluírem sempre. Nós temos um grau de exigência muito grande e os alunos  respondem a esse grau de exigência, normalmente muito para além daquilo que é normalmente exigido. E isso é, para nós, docentes, muito satisfatório.

R: Qual dos cursos mais procurados aqui na escola?
AB: 
Tenho de dizer que é o curso de Design de Moda embora, dentro da mesma área, também tenhamos o de Coordenação e Produção de Moda, que é igualmente procurado. Depois temos outros cursos, que já não estão no âmbito da moda: Fotografia, Auxiliar de Saúde, Auxiliar de Infância,  e Comunicação e Marketing. São cursos que já são diferenciados, tanto que, não sei se é importante referir, há aqui duas escolas que pertencem ao mesmo grupo. A EML começou por ser a Magestil, que pertence ao grupo Magensinus, S.A.  Há cerca de 4 ou 5 anos atrás, sentiu-se a necessidade de haver aqui dois departamentos distintos:a EML, que tem os dois cursos mais procurados,  que também tem  em aberto o curso de Projectista de Vestuário e de Gestão da Produção de Vestuário e que faz cursos de curta duração à noite, que são quase em regime de workshop,  sendo eles os cursos de Assessoria de Imagem e Styling e o de Marketing de Moda.   Todos os outros cursos que, como referi, não se encontram no âmbito da moda, pertencem à Magestil.

R: Quais as saídas profissionais dos alunos, neste caso, de Design de Moda?
AB:
Eles podem ser designers de moda, podem estar dentro de uma estrutura de empresa, podem fazer um percurso de moda de autor… Cada vez há nichos de mercado mais pequenos  aos quais é necessário responder. Podem vir a ser, por exemplo, responsáveis da compra de roupa para determinadas grandes superfícies ou lojas multimarcas, tendo por vezes o seu próprio espaço. Podem, de facto, fazer especializações e depois fazerem o Styling, que consiste na construção de visuais, e não na própria criação da roupa. Curiosamente, há alunos meus que depois vão para comunicação e, eventualmente, fazem especialização em jornalismo de moda, que é uma lacuna que nós temos no nosso país e que eles podem preencher.  Muitas vezes também já estão a trabalhar em revistas, usando os seus conhecimentos de moda. Portanto, não têm de ser só aqueles que criam.. É-lhes possível, por exemplo,  trabalhar em empresas  no que respeita à selecção de matérias-primas.

R: E comparando com esses tempos, , hoje em dia o ensino nesta área está muito mais desenvolvido.
AB:
Claro que está. Há mais oferta de ensino.  Não consigo, em boa verdade, estar aqui a ver se estará melhor ou pior, mas há mais oferta, mais necessidade de formação também, e o mercado é um mercado de grande competição, quer interno quer externo. As fronteiras cada vez estão mais diluídas, um designer já não se forma para trabalhar só em Portugal, forma-se para trabalhar para o mundo. Os nossos alunos muitas vezes vão tirar especializações também no estrangeiro porque, efectivamente, isto é uma área que está sempre em mudança. O que estava convencionado há 10 anos atrás como, por exemplo, o ano estar dividido apenas em duas estações, já não é assim. Já há empresas a trabalhar quatro estações, cada vez a trabalhar mais em mini-séries, cada vez a pôr à disposição do cliente séries de roupa.  Portanto, este tipo de acompanhamento é um acompanhamento sempre de permanente estudo e que requer um conhecimento grande de moda. Mesmo nós, profissionais da área, temos de estar constantemente actualizados, e não estou a falar só nas influências e tendências de moda , mas também nos mecanismos de produção, na instrumentalização do marketing ao dispor; não só do contacto com o cliente, mas também como instrumentos para uma nova abordagem em termos de imagem de moda. A própria sociologia,  porque quando um designer faz uma pesquisa, tem de ser sensível aos movimentos económicos, aos movimentos sociológicos, aos movimentos da própria sociedade, que está sempre em transformação.. Não há “eu invento qualquer coisa não sei bem para quem”. Nós sabemos para quem. Portanto, os mercados estão perfeitamente segmentados e nós trabalhamos para determinados segmentos de mercado.

R:t A Moda Lisboa teve lugar este fim-de-semana. Qual foi o envolvimento da escola? Houve muitos ex-alunos a participar?
AB:
A Moda Lisboa está perfeitamente estruturada, com criadores já de há muitos anos, o que torna a entrada de novos criadores difícil, porque requer um mérito de longa duração. Efectivamente, há um participante que este ano esteve presente na Moda Lisboa,  coisa que já fez em edições anteriores, que se chama Lara Torres e que já foi aluna da EML. A participação da escola é apenas visualizar. A Moda Lisboa gentilmente manda convites para a EML, e posso dizer que grande parte dos nossos alunos, senão a maioria, está presente em quase todos os desfiles a desfrutar o evento, a escrever nos seus blogues, a aparecer, a emitir opiniões.

R:  Como é que acha que está o mundo da moda em Portugal hoje em dia?
AB:
Eu acho que cada vez mais a moda está mais presente na vida das pessoas. Já passou a ser mais de domínio público, as pessoas estão cada vez mais informadas de moda, não são só os especialistas. Depois, cada vez há mais imprensa com essa especialização e, portanto,  há um interesse grande, não só das camadas mais jovens, de viver a moda e até de encontrar algum prazer visual que não é só a nível do conforto.Portanto, a moda continua na moda. . Eu acho que a moda em si, em Portugal, e não estamos a falar nas empresas têxteis, está muito bem e recomenda-se,  despontando valores extraordinários, fazendo um belíssimo trabalho que não nos envergonha e que não é pior nem melhor do que o que se faz lá fora. Talvez fora do território haja mais oportunidades, mas também há mais concorrência. Por isso, eu acho que cada vez mais é reconhecido o  valor meritório dos profissionais nesta área em vários parâmetros: como designers, como repórteres, como organizadores de eventos, como stylists, como jornalistas da área. Cada vez se está a fazer as coisas com mais profissionalismo e, por isso, eu acho que estamos no bom caminho. Ainda há muito por fazer, mas, a meu ver,  estamos, de facto, a construir um caminho seguro nesta área.





Entrevista e fotos por Inês Mesquita

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